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Este é o primeiro de vários artigos escritos por convidados no blog Objetivo Lua. Neste artigo, Paulo Gil, professor e investigador na área espacial no Instituto Superior Técnico, escreve sobre estratégias de liderança num grande, se não o mais complexo, projeto da humanidade até agora: atingir a Lua.

A menos que o Elon Musk acompanhe este blog 🙂 , duvido que algum de nós tenha de lidar com este nível de complexidade. Por isso, é inspirador refletir como podemos por em prática estas ideias hoje.

Aproveito o tema para o convidar a juntar-se ao programa Liderança Efetiva para Gestores Ocupados.


Um desafio quase impossível

Quando a 4 de Outubro de 1957 o Sputnik, o primeiro satélite artificial, foi lançado os americanos, apanhados de surpresa, ficaram em choque. Era a demonstração da capacidade tecnológica do inimigo figadal – estava-se em plena Guerra Fria com a URSS e seus aliados – que até aí era encarado como um risco moderado para o ocidente e o seu modo de vida. Não que o esforço de atingir o Espaço não existisse já nos EUA, e que o governo americano não soubesse dos esforços soviéticos, mas de repente tudo mudou.

O esforço de atingir o Espaço passou imediatamente de business as usual, projectos de investigação e desenvolvimento onde, enquanto se persegue o objectivo, os vários players rivalizam entre si e defendem os seus interesses pessoais, a uma situação de urgência nacional, em que toda a nação se apercebe de repente que está numa corrida de demonstração de capacidade tecnológica, e a perder. O atraso americano na corrida espacial só foi finalmente recuperado com o projecto Apollo, que colocou pessoas na superfície da Lua e trouxe-as de volta sãs e salvas, concretizado em menos de 10 anos. Para se ter uma ideia da dimensão do projecto, ele envolveu mais de 400.000 pessoas, que estavam à distância de um telefonema para consulta se fosse necessário, e no seu auge consumia cerca de 5% do PIB americano. Tudo isto num tempo em que os computadores de bordo eram milhões de vezes menos potentes, e bastante mais pesados, que os telemóveis modernos, ao mesmo tempo que não podiam falhar.

Tal feito extraordinário exigiu dedicação, muito dinheiro e, acima de tudo, capacidade de liderança, para ser capaz de gerir um esforço envolvendo centenas de milhares de pessoas e uma miríade de empresas subcontratadas, e a subordinação das agendas pessoais ao objectivo. Estas são algumas histórias de liderança extraordinária que contribuíram crucialmente para chegar à Lua, com as quais todos podemos aprender.

Meter as mãos na massa e responsabilidade automática

Quando o Sputnik foi lançado Von Braun, que viria a ser mais tarde o grande mentor do projecto Apollo, já estava envolvido no esforço americano de atingir o Espaço e clamava por fundos para ultrapassar o esforço soviético. No entanto, o governo americano não estava com muita vontade de permitir que um engenheiro oriundo do esforço de guerra Nazi lançasse o primeiro satélite americano. Quando outros esforços americanos falharam, a urgência provocada pelo Sputnik convenceu a hierarquia americana que o objectivo era mais importante que reticências sobre a origem das pessoas capazes de o atingir, e Von Braun e a sua equipa foram chamados.

Von Braun era muito carismático e tinha ideias próprias que não se ajustavam bem na cultura militar americana da época, onde os projectos espaciais estavam inseridos. Uma era o trabalho de equipa (teamwork), trabalhar em conjunto para obter resultados, um conceito tão óbvio que se tornou ao longo do tempo um chavão, sempre referido embora nem sempre praticado.

Outro conceito era o de meter as mãos na massa (dirty-hands engineering), a ideia de que os engenheiros, independentemente do seu lugar na hierarquia da organização, devem compreender tudo na sua área de responsabilidade e estarem dispostos a arregaçar as mangas e envolverem-se na oficina, se assim for necessário. O conceito de meter as mãos na massa pode e deve ser naturalmente alargada a não engenheiros. A ideia de o superior hierárquico se deslocar à oficina e trabalhar se for necessário, ou tomar conhecimento directo do que se passa, está talvez relacionada com o conceito genchi genbutsu da Toyota, o ir e ver. Não há memorandos ou apresentações de PowerPoint que substituam a observação na primeira pessoa.

Talvez o conceito com mais impacto introduzido por Von Braun tenha sido o da responsabilidade automática (automatic responsibility), certamente o mais difícil de compreender e implementar. É a ideia de que numa organização não há o meu trabalho versus o teu trabalho, apenas o nosso trabalho, e todos devem garantir o sucesso do projecto. Como resultado disto, a hierarquia e a organização burocrática são enfraquecidas e permite que as pessoas se envolvam em questões fora da sua área de conhecimento ou departamento.

Por exemplo, se um engenheiro mecânico fosse confrontado com questões que normalmente seriam da responsabilidade de um engenheiro electrotécnico, ele era suposto reportar e, se necessário, aplicar-se em desenvolver uma solução antes de ir à sua vida. Este conceito era estranho à burocracia militar onde a equipa de Von Braun estava inserida, mas teve sucesso e permaneceu na base da filosofia de gestão do Centro de Voo Espacial Marshall (Marshall Space Flight Center, MSFC), o novo nome dado pela recém-criada NASA ao Arsenal Redstone onde tudo aconteceu. Note-se que a responsabilidade automática e meter as mãos na massa têm uma relação simbiótica com o trabalho de equipa: reforçam-se mutuamente.

Todos são responsáveis por tudo

A minimização da estrutura de gestão no MSFC foi ainda levada mais longe por Von Braun. Cada Director de Laboratório ou Gestor Sénior tinha que preparar um relatório semanal. Von Braun lia todos esses relatórios, o que lhe permitia estar a par de tudo o que acontecia sob a sua responsabilidade, e fazia comentários, anotando-os nos relatórios. Depois, devolvia os relatórios anotados de todos gestores a cada um deles, para que cada um soubesse não só o que os outros estavam a fazer, mas também o que Von Braun pensava do assunto. Deste modo, todos os responsáveis permaneciam informados do que se passava em todo o lado e quais as expectativas de Von Braun. A comunicação lateral entre departamentos que se podiam ajudar também era encorajada, em vez de permitir que cada um ignorasse responsabilidades fora do seu cantinho. O resultado desta organização da gestão foi mais tarde crucial para atingir a Lua: cada um ou resolve o problema, ou comunica-o rápida e claramente ao seu superior para o envolver na procura de uma solução. Comunicação horizontal e vertical eficiente que não permite que nada permaneça dormente, escondido ou esquecido, pelo menos em teoria. Não havia segredos.

Subcontratados

Quando o projecto Apollo começou a ganhar momento, o número de empresas subcontratadas, e de pessoas envolvidas no projecto, disparou. Era necessário gerir e garantir que os líderes, trabalhadores e processos fora da NASA mantivessem o standard extremamente apertado e exigente imposto pela NASA.

A técnica que Von Braun utilizou para assegurar a qualidade e a exigência de um projecto que quase exigiu um milagre para ser bem-sucedido foi a que ele denominou de previsão de tremor de terra (earthquake prediction): cerca de 10% do pessoal do MSFC acabaria por ser enviado para os subcontratados como observadores e inspectores (eram, segundo Von Braun, os seus sensores). Quando eles detectavam um problema comunicavam-no ao MSFC de imediato. Claro que no início as empresas subcontratadas não gostavam nada deste sistema, as pessoas da NASA eram percepcionadas como espiões, mas nas circunstâncias de um projecto tão exigente o sistema funcionou bem e a maioria das empresas acabou por valorizar a fusão parcial do pessoal próprio com o da NASA. Há uma linha ténue entre parceria e interferência que não é fácil gerir, mas Von Braun conseguiu-o.

Faz o que ele diz, e o que ele faz

No fim, a teoria e a prática da responsabilidade total permaneceram muito alinhadas. Fundamental para a implementação desta filosofia foi a acção de Von Braun, i. e. do líder. As suas interacções eram consistentes, estivesse a falar com um subordinado ou com um administrador da NASA. Ele era carismático e amigável com os superiores, e compassivo e encorajador com os seus subordinados. Isto permitiu-lhe ganhar grande lealdade e respeito e, embora também soubesse dar “murros na mesa”, ele guardava essas acções extremas para quando era mesmo necessário, o que amplificava o seu impacto. Von Braun fazia o que pregava, e isso foi certamente fundamental para que as suas estratégias fossem adoptadas, utilizadas e bem-sucedidas.

Paulo Gil

N. do A. As estratégias descritas neste artigo foram adaptadas do livro Innovation the NASA Way: Harnessing the Power of Your Organization for Breakthrough Success, Rod Pyle, McGraw-Hill, 2014.

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AO COMANDO DA OBJETIVO LUA

Ana Relvas, Ph.D & Consultora de Desempenho

Ana Relvas é a propulsora da Objetivo Lua, projeto que cresceu da sua vontade em ajudar outros a concretizarem o seu potencial e foi construído sobre uma carreira de mais de 10 anos como Gestora e Engenheira Aeroespacial.

É esta experiência que, aliada à formação como Coach e Master Practitioner em Programação Neurolinguística, permite entender os desafios profissionais atuais e desenhar programa para cada pessoa, equipa ou empresa.

 

 

 

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